Nós mulheres meio Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Dostoiévski.
Pena que não herdamos suas genialidades, apenas suas maluquices.
Queridos Leitores,
“Ainda bem que o que eu vou escrever já deve estar na certa de algum modo escrito em mim.”
Clarice Lispector, em sua obra “A Hora da Estrela” conseguiu me tocar profundamente e me trazer um certo reconhecimento de que suas palavras de certa forma eram as que eu nunca disse, por nunca conseguir externalizar. Logo fiz delas, as minhas palavras.
É louco como a Literatura (e a Arte de um modo geral) tem esse poder de trazer esse reconhecimento.
Sou leitora desde sempre, mergulhada nos livros e nas histórias (apesar de nunca me encaixar no padrão de leitora tímida com ótimas notas). Mas, na adolescência, passei por uma fase extremamente difícil onde não apenas os livros se tornaram meu refúgio, mas onde a escrita se tornou uma parte intrínseca de mim mesma.
Nunca fui boa em expressar meus sentimentos, mas foi através da escrita que aprendi a organizar meus pensamentos e sentimentos e transformá-los em algo belo, bagunçado, tocante, realista ou em qualquer coisa. Desde então, nunca mais parei de escrever.
Mas, na faculdade, em uma aula de literatura eu aprendi algo muito interessante: a Mímesis como reconhecimento.
Mímesis: Termo de origem grega que significa imitar. A mimese é a imitação ou representação de algo. É um termo crítico e filosófico cujo princípio é o de que a poética, a arte, deve ser uma imitação da vida real, ou seja: deveria ser o reflexo da realidade.
Segundo a moderna teoria da literatura, a Mímesis nomeia a interação entre os textos literários e o mundo social. O conceito de Mímeis como reconhecimento é quando a interação entre o texto literário e o mundo social impactam diretamente a vida do leitor, quando a partir da leitura de uma obra há o reconhecimento dela no cotidiano do leitor.
Sabe quando você lê um livro e pensa “Meu Deus, essa sou eu, isso foi escrito para mim!”. Isso é a Mímesis (a literatura imitando a realidade) como reconhecimento na sua vida.
Claro que existe muito mais aprofundamento teórico neste assunto, mas por hora deixarei essa explicação mais simplificada mesmo.
“Tenho que escolher o que detesto - ou o sonho, que minha inteligência odeia, ou a ação, que minha sensibilidade repugna; ou a ação, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.”
E foi com essas palavras que Fernando Pessoa simplesmente descreveu minha angústia (e acredito que a de todos nós artistas) por não gostar de algo que realmente “dê dinheiro”.
Você consegue entender a profundidade disso? Um homem que nasceu a quase 140 anos atrás escreveu uma texto que foi publicado depois de sua morte a mais de 40 atrás numa obra chamada “Livro do Desassossego” e é simplesmente exatamente o que eu sinto!
Como pode pessoas que nasceram e morreram tantos anos atras antes mesmo de meus pais nascerem e essas pessoas me entenderem?
Confesso que isso trás uma esperança e um consolo ao meu coração. Consolo de saber que talvez eu não seja tão deslocada assim, que talvez eu não seja a única, que existem pessoas que me entendem. E esperança de que talvez um dia os meus textos possam ajudar as pessoas também, nem que seja uma.
“O mistério da existência humana não é apenas manter-se vivo, mas encontrar algo pelo qual viver.”
E foi com essa citação que Fiódor Dostoiévski me acolheu. Sempre tive esse senso de propósito mas nunca soube explicar, até encontrar essa frase.
Esses são apenas exemplos para mostrar o que eu quero realmente dizer aqui:
Que loucura e que oportunidade a Literatura (e a arte) nos proporciona como reconhecimento uns com os outros, a oportunidade de se conectar com pessoas que nunca conhecemos mas que sentimos que nos entendem.
Talvez eu não seja um completo ET em meio às pessoas, talvez eu apenas não tivesse encontrado meu lugar.
O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol.
Haverá algo de que se possa dizer: "Veja! Isto é novo! "? Não! Já existiu há muito tempo; bem antes da nossa época.
Ninguém se lembra dos que viveram na antigüidade, e aqueles que ainda virão tampouco serão lembrados pelos que vierem depois deles.
- Eclesiastes 1.9-11